quarta-feira, 5 de março de 2008

Hoje é o tal Bacalhau!


Pela manhã o telefone por vezes tocava...ensonada antendia:
"Querida, queres vir almoçar com a vó Mina?";
"Mas ainda não me arranjei, avó!"
O argumento do outro lado fazia-me dissuadir de qualquer dúvida ou preguiça matinal:
"A Ávó fez o tal bacalhau..."
Sempre fui subornada com as iguarias da avó,algumas faziam-me ponderar se iria encher o bandulho até ficar empanturrada...mas quando se tratava do tal bacalhau nem pensava duas vezes!
Apreciadora duma época de brandos costumes como foi o Estado Novo, sempre foi uma boa gestora doméstica, como tal havia horários a cumprir escrupolosamente. Todavia era hábito atrasar-me..o que implicava outro telefonema alertando que era 12h30- A hora de almoço!
Controversamente, os temas de conversa entre avó e neta eram sempre variados face às posições muito conservadoras e intransigentes que ela defendia...o assunto poderia ir desde o tempero da refeição, paixonetas, até ao panorama político do país (comentários derivados ao jornal da uma, RTP, que nos acompanhava,por norma, ao almoço).
Estes almoços estendiam-se até às 15h, para preocupação da mãe que telefonava: "Mas onde andas?" ao que dizia: " Vim almoçar à vó Mina porque hoje é o tal bacalhau".
Tenho a sensação que naquela altura não me importaria nada de comer 7x à semana aquele bacalhau à brás, quiçá,nem hoje me importaria, que se marimbasse o fígado devido ao excesso de ovos...sabia-me pela vida!
O caso mudava de figura quando o telefone tocava a avisar que era carapau frito com arroz de tomate, arroz de grelos com filetes de pescada, peixe cozido com verduras...Às vezes ia pelo prazer que tinha em almoçar à mesa com a avó, pela cumplicidade até no silêncio, pela compreensão, pelo à vontade, porque ela tinha todo o tempo do mundo para me ouvir...mas deixava bem claro que não gostava do almoço...no fundo era bom...mas não era equiparável ao TAL!
Confesso que por vezes ao ouvir o telefone pensava "q chata!telefona-me a interromper o meu sono matinal" que aparentemente era mais precioso que o anunciar do almoço!
Hoje, dava TUDO para que me telefonasse a chatear...

1 comentário:

  1. Nem imaginas como adorei este texto... já muitas vezes me deu para escrever sobre os almoços em casa da minha avó e nunca o fiz... muitas histórias tenho para contar sobre eles. E sei que apesar de todas as resmunguices e de toda aquela rigidez em relação ao mundo actual, aqueles são momentos únicos. Apercebi-me do real valor desses momentos muito recentemente.

    Beijo

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